11 maio 2006

Biografia de um azarado


O nome não podia ser outro: Murphy. Ser humano mais azarado com certeza não há. Nasceu em 1974, dias antes de uma série de 148 tornados deixarem 315 mortos e 5 mil feridos em 13 estados norte-americanos e um canadense. A família, desabrigada e desempregada, muda para o Brasil. O pai, que falava um pouco de Português, arruma trabalho na embaixada americana e a mãe fica em casa cuidando dos filhos.

Com um dinheirinho em caixa, o pai, como todo bom americano, começa a se preocupar com o futuro do filho. “Vou abrir uma poupança para ele”, pensa. Liga a tevê e vê a propaganda:

“Vou levar meu cofrinho na Colméia, de tostão em tostão dá um milhão...”

Não pensa duas vezes. No fim do dia, volta para casa com a caderneta de poupança de Murphy. Por 10 anos deposita todo mês 20% do salário. Em 1984, a Colméia quebra, leva a poupança de milhares de pessoas e deixa um rombo de mais de 350 milhões de dólares.

Murphy cresce, faz amigos e começa a gostar de rock and roll. Depois de muito insistir com o pai, consegue convencê-lo a ir ao primeiro show de sua vida, no qual tocaria sua banda preferida, a Legião Urbana. O dia era 18 de junho de 1988. No estádio Mané Garrincha, a alegria durou pouco. Renato Russo, o vocalista, atiçou a platéia, foi atacado no palco por um doente mental e a polícia acabou descendo o pau em todo mundo. Com o show interrompido, a confusão passou para fora do estádio. O resultado: 385 feridos, 60 presos e 64 ônibus depredados. Murphy teve um braço quebrado e um pé pisoteado pelos cavalos da polícia.

O pai, ainda funcionário da embaixada americana, continuou juntando dinheiro para garantir o futuro de Murphy. A meta era pagar um intercâmbio para o filho nos Estados Unidos. A viagem seria em abril de 1990, logo após Murphy fazer 17 anos. Mas poucos dias antes da viagem, Fernando Collor de Mello toma posse e bloqueia (ou confisca, como preferirem) a poupança de todos. A viagem vai para o espaço. Murphy acaba matriculado no terceiro ano do Objetivo.

No ano seguinte, Murphy completa 18 anos e ganha do pai seu primeiro carro, um Lada Niva. Poucas semanas depois, cai um temporal em Brasília. A garagem do prédio de Murphy fica completamente alagada. O carro vai parar no ferro velho. Murphy volta novamente a andar de ônibus.

O pai, ao contrário, tinha notícia boa. Depois de tantos anos juntando dinheiro, finalmente tinha conseguido comprar um apartamento. “Comprei da Encol. Coisa boa. Empresa sólida”. A felicidade durou pouco. Em 1995, a Encol inicia um processo de falência que deixa na mão centenas de mutuários. E apartamento que é bom, nada.

Em 1998, aos 23 anos, Murphy se casa. Ele e a esposa decidem adiar por pelo menos cinco anos o projeto de terem filhos. O casal dá uma ida à farmácia para comprar uma caixa de anticoncepcionais Microvlar. Pouco mais de um mês depois, teste de gravidez positivo. Em vez de hormônios, a pílula tinha farinha. Junto com o bebê, sogro e sogra chegam para morar com Murphy. O casal morava no Rio de Janeiro, em um edifício chamado Palace II, que foi ao chão por má construção. O responsável pelo prédio, o ex-deputado Sérgio Naya, continua solto por aí.

O casamento durou pouco. Foi bem rápido para Murphy descobrir que era corno. Em 2000, já estava sozinho novamente. Pelo menos não tinha mais de agüentar sogro e sogra.

Pegou suas economias e resolveu investir em um negócio aparentemente bastante promissor: gado. Associou-se às Fazendas Reunidas Boi Gordo. Em 2004 perdeu tudo, quando a empresa quebrou. Pegou as economias que sobraram e resolveu investir em outro animal: avestruz. “Dessa vez tenho certeza que vai dar certo”. Não deu. A Avestruz Master também pediu falência em 2005 e levou junto boa parte do dinheiro de Murphy.

No início de 2005, antes da quebra da Avestruz Master, Murphy resolveu fazer sua primeira viagem internacional. Escolheu um destino exótico, a Tailândia. Pagou um pacote completo, que incluía passagem, hospedagem, alimentação e passeios. Não chegou nem a embarcar. Dias antes, o hotel foi arrasado pela maior catástrofe natural dos últimos anos, a tsunami. O dinheiro, claro, não foi devolvido.

Em 2006, sua ex-mulher se muda para a Europa e deixa o filho morando com ele em Brasília. Murphy matricula o filho no NDA Júnior. Antes do meio do ano, a escola quebra e dá calote nos professores e funcionários. Murphy passa dias atrás de uma vaga para o filho, mas felizmente consegue.

Murphy também já decidiu seu voto. Vai novamente no Lula. Espera trazer sorte para ele. Fico feliz. Espero que outros “murphys” sigam o mesmo caminho. Desse modo, podemos ficar livres no ano que vem.

6 Comments:

At 1:34 PM, Blogger Felipe said...

Quem é Murphy? Será que o vejo no espelho? Ou você o vê no seu "rearviewmirror"?

 
At 2:17 PM, Blogger Patrícia Cunegundes said...

Este comentário foi removido por um administrador do blog.

 
At 12:27 PM, Blogger Felipe said...

Caralho, você está censurando a galera no seu blog mesmo?

 
At 11:54 PM, Anonymous Anônimo said...

A palavra é uma só, que já dissemos tantas vezes:
surreal!

 
At 4:29 PM, Anonymous Anônimo said...

Surrealíssimo!!!!! Excelente texto, Alê

 
At 6:14 PM, Anonymous Anônimo said...

Muito legal o texto Alê!

E coitado do Murphy... vai ter azar assim la longe... por outro lado, o azar dele podia ter sido pior no caso do Tsunami... ele perdeu o dinheiro e nao a vida.

E se "o que nao nos mata, nos fortalece", entao talvez (e apenas talvez), ainda haja esperanca pro Murphy, vou torcer por ele. ;)

Abraco!

 

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