Conversa de criança

Um dia desses fui buscar meus filhos na escola e encontrei o menor deles, de cinco anos, sentado no canto com a cara amarrada. Perguntei o que tinha acontecido e ele desandou a reclamar de um colega.

“Gosto de todo mundo na sala, menos do Maurício*”.
“Por que você não gosta dele?”
“Ele me deu língua só porque eu não quis mostrar minha lancheira do Batman. Ele é mau e machuca as pessoas”.
“Ele já bateu em alguém?”
“Ele beliscou a Perla e o Fernando. Bem pequenininho, com a unha”.
“Você viu ele fazendo isso?”
“Não, mas a Perla e o Fernando me contaram. Foi antes de eu vir estudar aqui”.
“Mas com você mesmo ele não fez nada?”
“Não, só deu língua. E eu não gostei. É muito feio dar língua. Não falo mais com ele”. (É bom registrar que, no mundo infantil, dar língua é tão grave quanto xingar mãe de bandido).
“E com os outros colegas, tudo bem?”
“Tudo bem. Papai, sabia que eu tenho um coleguinha que é gay?”
“Como assim?”
“O Antônio, que anda com o Maurício, quer beijar na boca do Renato”.
“Como é?”
“Ele fala pra todo mundo, até a professora já sabe. Mas o Renato foge dele”.
“Ah”.
“Ele também não é meu amigo, ele é um dos maurícios. Um dia ele pegou meu estojo sem pedir”.
“Tem que pedir, né?”
“É”.
“Igual você faz com seu irmão, né?”
“...”
“Não é?”
“Papai, o que a gente vai fazer quando chegar em casa?”

*Os nomes das crianças foram trocados.