Meu vizinho e eu
Não sei se isto acontece apenas em Brasília ou se é normal em qualquer cidade grande do país, mas o fato é: moro há três anos no mesmo apartamento e não faço a menor idéia do nome do meu vizinho de porta. Não é só porque ele é um sujeito esquisito (para não ter de usar outras palavras), mas porque cada um tem sua vida e obrigações do dia a dia – que, na minha família de dois adultos, três crianças e duas cadelas, são muitas.
Acho curiosa essa situação. Teoricamente, vizinhos, quando não se odeiam, deveriam ser amigos, tomarem cerveja juntos, conversarem sobre os filhos, terem intimidade, cumplicidade. Igual nos filmes americanos. E nas cidades do interior, onde os vizinhos gostam de se encontrar para um dedo de prosa, um bando de causos, e também maledicências, fofocas e correlatos.
Mas não. Aqui em Brasília, principalmente no Plano Piloto, praticamente ninguém conhece seu vizinho. Eu, como já disse, não sei nada do meu, exceto que ele é careca, tem uma mulher baranga que jura ser gostosona, um filho que deve estar perto dos dois anos, mais ou menos, e uma empregada nojenta que, além de não saber fechar a lixeira nem conjugar verbo, encheu o saco de todas as empregadas que passaram pela minha casa, com exceção da atual, a dona Luzinete, que nem de longe dá trela para esse tipo de criatura. E – importante – ele também tem cara de quem trepa de meia.
Até hoje, em três anos, tive apenas duas conversas com meu vizinho. Ambas sobre filhos, no elevador e iniciadas por mim. A primeira foi assim:
Eu: “Bom dia”.
Ele: discreto movimento com a cabeça para baixo e para cima.
Eu: “Ele já tá andando?”
Ele: “É”.
Eu: “Agora é que acabou o sossego”
Ele: “Ô”
Eu: “Até logo".
Acho curiosa essa situação. Teoricamente, vizinhos, quando não se odeiam, deveriam ser amigos, tomarem cerveja juntos, conversarem sobre os filhos, terem intimidade, cumplicidade. Igual nos filmes americanos. E nas cidades do interior, onde os vizinhos gostam de se encontrar para um dedo de prosa, um bando de causos, e também maledicências, fofocas e correlatos.
Mas não. Aqui em Brasília, principalmente no Plano Piloto, praticamente ninguém conhece seu vizinho. Eu, como já disse, não sei nada do meu, exceto que ele é careca, tem uma mulher baranga que jura ser gostosona, um filho que deve estar perto dos dois anos, mais ou menos, e uma empregada nojenta que, além de não saber fechar a lixeira nem conjugar verbo, encheu o saco de todas as empregadas que passaram pela minha casa, com exceção da atual, a dona Luzinete, que nem de longe dá trela para esse tipo de criatura. E – importante – ele também tem cara de quem trepa de meia.
Até hoje, em três anos, tive apenas duas conversas com meu vizinho. Ambas sobre filhos, no elevador e iniciadas por mim. A primeira foi assim:
Eu: “Bom dia”.
Ele: discreto movimento com a cabeça para baixo e para cima.
Eu: “Ele já tá andando?”
Ele: “É”.
Eu: “Agora é que acabou o sossego”
Ele: “Ô”
Eu: “Até logo".
Ele: discreto movimento com a cabeça, desta vez só para baixo.
Pois é, foi rápida, o elevador chegou depressa e moramos no primeiro andar.
A segunda conversa, um pouco menos monossilábica, foi uns meses atrás:
Eu: “Nossa, como ele tá grande”.
Ele: “Pois é”.
Eu: “Como é o nome dele mesmo?”
Ele: “Fulano” (desculpem, mas nem ferrando lembro o nome da criança).
Eu: “Oi Fulano”.
Fulano: silêncio
Eu: “Oi Fulano”.
Fulano: silêncio
Ele: “Fala com o moço, fulano”.
Fulano: silêncio.
Ele: “Ele é tímido”.
Eu: “Pois é”.
Ele: silêncio
Eu: “Até logo”.
Ele: “Tchau”.
Saí da conversa com duas certezas: a primeira é que ele também não sabe meu nome, afinal me chamou de “moço”. A segunda é que ele secretamente, no íntimo, adorou o desprezo do filho dele por mim. Tenho certeza que pensou, ao estilo da dona Florinda, do Chaves: “isso, meu filho, não se misture com esta gentalha”. Ele foi competente para segurar o risinho irônico, mas com certeza o soltou no carro, com direito a gritinho, contorções e, se bobear, lágrimas e falta de ar.
Vou abrir o jogo: acho que meu vizinho pensa que sou um doido só porque tenho três filhos pequenos e duas cadelas em um apartamento de três quartos. Está bem, sou um pouquinho louco sim, admito. As cachorras praticamente não latem, mas os meninos, de vez em quando, fazem barulho. O que é normal, afinal são crianças. E como têm irmãos, fazem mais do que o dele. E quem tem mais de um filho sabe, às vezes eles perdem o controle, a casa vira um hospício e é isso. Fazer o que, além de ter paciência?
Penso que ele se acha melhor do que eu porque tem um Astra e uma Ecosport e eu e minha mulher temos um Gol e um Corsa. E também porque o apartamento dele é do lado do elevador social, e o meu, do de serviço. E porque ele tem duas vagas na garagem e eu só uma.
E acho que ele também não gosta de mim porque de vez em quando recebo meus amigos em casa, coloco um CD, as pessoas falam alto, uma vez quase fizeram xixi no capacho dele. Acho que isso lhe dá pânico, o coração dispara, os fios de cabelo que circundam a careca se eriçam todos, as mãos ficam geladas e frias. É que ele vê que existe vida fora do círculo familiar e do escritório, e isso deve ser um golpe muito duro. Mas não faço por mal. Até porque, apesar de tudo, ele é inofensivo, nunca me incomodou e não se mete na minha vida. No meu conceito, esse é o melhor tipo de vizinho.
Pois é, foi rápida, o elevador chegou depressa e moramos no primeiro andar.
A segunda conversa, um pouco menos monossilábica, foi uns meses atrás:
Eu: “Nossa, como ele tá grande”.
Ele: “Pois é”.
Eu: “Como é o nome dele mesmo?”
Ele: “Fulano” (desculpem, mas nem ferrando lembro o nome da criança).
Eu: “Oi Fulano”.
Fulano: silêncio
Eu: “Oi Fulano”.
Fulano: silêncio
Ele: “Fala com o moço, fulano”.
Fulano: silêncio.
Ele: “Ele é tímido”.
Eu: “Pois é”.
Ele: silêncio
Eu: “Até logo”.
Ele: “Tchau”.
Saí da conversa com duas certezas: a primeira é que ele também não sabe meu nome, afinal me chamou de “moço”. A segunda é que ele secretamente, no íntimo, adorou o desprezo do filho dele por mim. Tenho certeza que pensou, ao estilo da dona Florinda, do Chaves: “isso, meu filho, não se misture com esta gentalha”. Ele foi competente para segurar o risinho irônico, mas com certeza o soltou no carro, com direito a gritinho, contorções e, se bobear, lágrimas e falta de ar.
Vou abrir o jogo: acho que meu vizinho pensa que sou um doido só porque tenho três filhos pequenos e duas cadelas em um apartamento de três quartos. Está bem, sou um pouquinho louco sim, admito. As cachorras praticamente não latem, mas os meninos, de vez em quando, fazem barulho. O que é normal, afinal são crianças. E como têm irmãos, fazem mais do que o dele. E quem tem mais de um filho sabe, às vezes eles perdem o controle, a casa vira um hospício e é isso. Fazer o que, além de ter paciência?
Penso que ele se acha melhor do que eu porque tem um Astra e uma Ecosport e eu e minha mulher temos um Gol e um Corsa. E também porque o apartamento dele é do lado do elevador social, e o meu, do de serviço. E porque ele tem duas vagas na garagem e eu só uma.
E acho que ele também não gosta de mim porque de vez em quando recebo meus amigos em casa, coloco um CD, as pessoas falam alto, uma vez quase fizeram xixi no capacho dele. Acho que isso lhe dá pânico, o coração dispara, os fios de cabelo que circundam a careca se eriçam todos, as mãos ficam geladas e frias. É que ele vê que existe vida fora do círculo familiar e do escritório, e isso deve ser um golpe muito duro. Mas não faço por mal. Até porque, apesar de tudo, ele é inofensivo, nunca me incomodou e não se mete na minha vida. No meu conceito, esse é o melhor tipo de vizinho.
pronto, alessandro, taí um roteiro legal para um curta. só falta o final. que tal o vizinho ficar preso no elevador, logo no primeiro andar, e gritar por socorro. aí, suas cadelas latem, os filhos avisam e vc salva o cara? e, no fim, vcs vivem felizes para sempre. quem sabe até ele não te empresta o ecosport pra tu tirar uma onda?
na boa, isso acontece comigo também. no caso, sou vizinho do cara há 5 anos...
Alê,
Muito bem escolhido este tema! Muitas vezes me pego pensando sobre isso.. Mundo estranho este em que a gente mal conhece a cara dos vizinhos! Você deve se dar por satisfeito, já que sabe muito sobre a vida deles... Eu não faço nem idéia de quem sejam os donos dos carros mais próximos aos meus na garagem!
Quem dirá saber se tem empregada, quantos filhos ou o nome de alguém. Dia destes ouvi um latido de cachorro no apartamento do lado. Ah! E no prédio ao lado tem um gato que ontem ficou chorando desesperadamente...
Beijos
Eu nunca conheci meus vizinhos quando morei em apartamento...
Alê, welcome back ao mundo dos vivos!
Cara, pelo seu texto, com certeza sou anormal, fora do padrão... Desde que moro em apartamento - coisa que começou há 13 anos, com o advindo do filhote - sempre conheci meus vizinhos pelo nome e conversei mais do que duas vezes com cada um. Confesso que os atuais são esquisitos, mas também fazem apenas quatro meses que estamos aqui. De qualquer modo já conheço praticamente todo mundo da mesma entrada.
Abração e beijos na molecada e na comadre.
Muito legal. Imagine um texto dele sobre você.
Não sei se é coisa de quem já morou em Minas, mas eu conheço sim meus vizinhos. Tem uns engraçados, uns caladões, outro barulhento (no singular porque é só um mesmo)...
Mas aqui no meu prédio, diferentemente do seu, construção antiga, só tem uma entrada com um corredorzão enorme. Acho que isso facilita a convivência às vezes pacífica, às vezes dramática (dia desses a moça do lado teve uma convulsão e como sou socorrista lá fui eu ajudar a pobre).
Além, é claro, das senhorinhas aposentadas que me contam todas as fofocas da semana - tudo em menos de cinco minutos, que é o tempo que eu costumo levar para tirar toda a tralha das crianças do carro e alcançar o elevador.
O ser humano é esquisito...
bjs pra vc e pra Iara
Alê!
Bom saber de ti rapaz. Acho que essa história de não saber quem é o seu vizinho não é exclusividade de Brasília, mas talvez algo a ver com apartamentos em geral. Eu nasci e cresci em apartamentos e não recordo dos meus pais nada além das "cordialidades de elevador" com os nossos vizinhos - já não posso dizer o mesmo de mim e de meus irmãos...
Nos meus tempos de Floripa tive vizinhos que eu nunca soube o nome, vizinhos com os quais troquei receitas, vizinhos que cuidaram de mim quando estive doente (casal de velhinhos) e vizinhos com os quais fiz muita festa junto. Tive vizinhos esquisitos, assim como o seu, que nunca me olharam na cara e que quando me viam meio que me evitavam.
Continuo morando em apartamento e meus vizinhos americanos são um tanto mais excêntricos que os brasileiros, mas atribuo isso ao fato de morar num lugar isolado como o Yosemite.
Pois, eu penso que vizinho, assim como alguns parentes, é bom manter à uma distância saudável, caso contrário eles viram personagem de post em blogs ;-)
Estava com saudades dos seus textos, e este, em especial, é peculiar! Os vizinhos refletem nosso convivio social. Em Brasília, a política da boa educação passou longe... Quantas vezes por dia vc diz boa dia para as pessoas? (Isto é, pessoas que vc não conhece... ).
Essa é a rotina (infelizmente) normal da cidade pombal.
Beijos meu querido!!!
HAHAHAHAHA. Típico de prédios modernos e nos quais a comunicação é desfavorecida. Mas Alê, ao ler o seu post de hoje, cheguei a uma conclusão: eu sou o seu vizinho!!!!
Cara, para quê as pessoas insistem em convesar no elevador? Me diga! Para que se jamais elas serão amigas? Para que o cara que mora no AP em cima do meu e que é dono da concessionária da Troller em BSB tem que me dar a porra do cartão dele e dizer assim: vai lá fazer uma visitinha e tomar a porra de um café?
Para que eles têm que ser contra eu colocar a merda de um aparelho de ar concionado na porcaria da minha janela?
Por que eu tenho que saber o nome da filhinha nova dos meus vizinhs do quarto andar? Enfim, acho que todos os vizinhos do mundo deveriam ser como o seu: mudos, indiferentes e tranquilos.
PS: Muda para a minha prumada. Lá todo mundo gosta de conversar no elevador. Te garanto, se vc se mudar para lá, eu vou te chamar pelo nome. HEHEHEHEHEHEHE
É a coisa mais normal do mundo. A Quasar Cia de Dança, de Goiânia, tem um espetáculo sobre isso. Chama-se Divíduo e foi apresentado em 1999.
Gente,
odeio desapontar a todos, mas nao e algo exclusivo de predios. Eu morei uns 10 anos em Brasilia e conhecia todos os meus vizinhos (pelo menos todos os da mesma prumada do predio) :P mas depois que mudei pra Joao Pessoa, a uns 17 anos mais ou menos, conheco uns 2 ou 3 vizinhos e mesmo assim, nao sao os que estao mais proximos de mim.
Em compensacao, tem uma coisa que eu vi aqui e que nao tinha em Brasilia (pelo menos logo que cheguei, hoje em dia parece mais raro tambem)... e esse lance de dizer "bom dia" pra um desconhecido. Eu me lembro de ficar muito sem jeito por andar na rua e alguem me cumprimentar. Nao estava acostumado. Com o tempo comecei a responder. :)
Mas de qualquer forma, esse lance de conhecer o vizinho, seja em casa ou apartamento, e algo que esta cada vez mais dificil hoje em dia.
Abratzo, Tulio
Eu não concordo que isso seja de BRasília não. Acho que é mais da idade. Quando eu morei por 27 anos na 207 sul, sabia o nome e da vida de todos os vizinhos do prédio. E sempre conversava no elevador, tinha amigos, brincava. Isso porque eu era criança e interagia ali. Deposi que fica mais velho, seja aqui, seja em sampa, nao tem muita desculpa para ficar tocando a campainha e se arpesentando "oi posso ser seu amigo" e por ai vai. A nao ser que haja uma desculpa pra conversar, nao converso com ninguém. E isso não é de Brasília. É da rotina de trabalho e da idade.
}Abs
que coincidencia eu ter lido este blog e descobrir que sou EU o seu vizinho..
e obrigado pela classificação de melhor tipo de vizinho.