29 julho 2009

Minha família e o futebol


Aqui em casa todo mundo nasce flamenguista, embora não seja uma condição imutável. Prova disso é que meu filho mais velho, de 11 anos, virou tricolor paulista. Tenho minhas teorias para explicar essa transformação.

A primeira delas é o motivo que nos leva a torcer para esse ou aquele time. Como somos brasileiros, nascidos no país do futebol, sentimos a pressão de torcer por algum time. No meu caso, passei a ser flamenguista por pura birra com o Vasco.

Meu pai e um tio, na década de 80, eram torcedores fanáticos do time do Roberto Dinamite. Eles eram tão chatos, que prestei atenção para o time que eles mais detestavam. Era o Flamengo. Aprendi rapidinho a gostar do Zico (o que não foi nenhuma dificuldade). Logo, logo, senti a emoção de ser campeã do mundo. Confesso que hoje em dia não dou a menor bola para futebol. Só em Copa do Mundo, final, contra o Vasco, essas ocasiões especiais. E também não sei qual a regra do impedimento de cor.

Já o meu marido virou flamenguista por puro acaso. Meu sogro, botafoguense (de meia tigela, pois nem assiste jogo) comprou uma camisa de time de futebol para cada um dos três filhos. O Alê ganhou uma do Flamengo; o Leonardo, do Cruzeiro; e o Marcelo, do Palmeiras. Só o Léo mudou de time e hoje é Fluminense. Os outros dois continuam fiéis ao primeiro uniforme.

No caso dos meus filhos, nasceram em uma casa rubra negra – com direito a quadro brega que vende no boteco na parede da sala de televisão – e ponto final.

Depois do motivo da escolha do time, conta também a forma de torcer. A expectativa é que todo torcedor seja apaixonado. Esse é o segundo furo no meu esquema familiar futebolístico. Aqui em casa não rola essa paixão.

Estou com o meu marido há 10 anos e nesse tempo ele foi jogar futebol com os amigos ou primos em duas ocasiões. Nas duas foi parar no pronto-socorro. Nunca presenciei meu companheiro deixar de fazer o que quer que seja para assistir futebol. Ele até assiste, mas não é nenhuma sangria desatada. Tudo bem que em jogos decisivos, rola a expectativa. Mas a comoção é muito maior quando é para torcer contra o Vasco do que em favor do Mengão.

Acredito que a transformação do Iuri tenha a ver com a ‘frouxidão’ dos valores futebolísticos que impera nesse clube dos loucos. Embora liberais nesse assunto, uma regra é muito clara: nada de torcer para o Vasco. Meu pai até tentou influenciar o neto a torcer para os cruzmaltinos.

– Que camisa é essa Iuri? – perguntou o Alê. No meu carro você não vai entrar. Só entra para colocar no tapete, para pisar em cima.

Impressionado, Iurix entendeu bem o recado e virou tricolor paulista. Pedro ainda é uma incógnita, embora já tenha dito que não gosta do Flamengo. Pode ser verdade ou para implicar com o irmão do meio, o Arthur. Esse sim, rubro-negro. Fora o detalhe dele não curtir muito futebol e soltar umas tiradas como esta:

– Mãe, me chama se o Flamengo fizer gol para eu encher o saco do William (primo adulto e botafoguense e antiflamenguista ortodoxo) – e some para brincar de luta com a turma de monstros e guerreiros imaginários.

Ou na ocasião em que ele participava do campeonato de futebol de salão do colégio. Ele estava muito mais interessado em um homem cabeludo que estava na beira da quadra.

– Quem é você? É pai de quem? O que está fazendo aqui?

Eu e o pai dele acenávamos para ele prestar atenção na bola e parar de conversa. Ele desistiu de interrogar o homem misterioso e foi ter com os ninjas dele. E o jogo passou sem que ele tomasse conhecimento. Só ficou interessado na hora de correr e pular.

Meu sobrinho, filho do cunhado que renegou o Cruzeiro e virou Fluminense, é um caso típico de torcedor fanático desde a infância. Fanático tanto pelo Fluminense quanto por futebol, diga-se. Com apenas 7 anos ele conhece a escalação dos times, comenta resultados e deixa o que estiver fazendo para assistir futebol. E foi de uma hora para outra que ele deixou de ser menininho e virou um moleque que saca de futebol.

Esse é mais um mistério dos meninos que me cercam. Onde fica o ajuste para o tanto que vai gostar de futebol?

Um piti pelo Harry Potter

Sou fã do Harry Potter. Já li e reli muitas e inconfessáveis vezes cada um dos sete volumes da série. Se você me avistar em uma roda de pré-adolescentes, pode apostar que estou me exibindo com os meus conhecimentos potterianos. Consigo até filosofar sobre o uso da penseira, a capacidade de aparatar e ter que possuir as relíquias da morte para destruir as horcruxes.

Esse breve prefácio é para vocês compreenderem o motivo de tanto piti que vou narrar a seguir. Não que necessariamente eu precise de um motivo muito forte para dar um piti, mas como esse movimentou até a imprensa, vale o registro.

Domingo, 19 de julho de 2009. Dia escolhido pelo Clube dos Loucos para assistir o tão esperado Harry Potter 6! Só o caçula ficou de fora porque ainda não tem idade. Escolhemos o Cine Academia do Deck Norte, no Lago Norte, sessão dublada das 15h30.

A bilheteria estava aberta, mas não havia viv´alma no guichê. Esperamos. Esperamos. Meu filho mais velho, de 11 anos, ficou impaciente e foi dar uma olhada no corredor que leva às salas de cinema. Descobriu o rapaz da bilheteria degustando uma pipoquinha. Hora mais apropriada, né?

OK. Quatro meias entradas (eu e Alê somos estudantes de línguas) e vambora. Paradinha básica para a pipoca. Ops! O rapaz da bilheteria está puxando papo com o rapaz da pipoca. Faço cara feia. O rapaz da pipoca se toca e me atende. Avisa que conversam depois.

Começa a sessão. Já no trailler, algo anunciava que o que deveria ser diversão vai dar é aborrecimento. A projeção está fora de foco, as bordas da tela tinham uma moldura escura e o áudio estava ruim. “Devem estar fazendo os ajustes”, pensei.

– Mãe, que imagem é essa? O que está acontecendo? Não vai me dizer que o filme também vai estar assim – resmungou Iuri, sentado à minha direita na sala do cinema.

– Calma filho, eles vão arrumar – ponderei.

O filme começa e nada da imagem melhorar.

Meu marido fez há algumas semanas a cirurgia para correção de astigmatismo e ficou desconfiado das próprias vistas.

– É o meu olho ou tem alguma coisa errada com esse filme?

– Seu olho está ótimo. Ao contrário do filme.

Deixo a sala de cinema na hora em que a Professora MacGonnalg comenta sobre o colar enfeitiçado que quase matou a artilheira da Grifinória.

– Por favor, quem é o responsável pela projeção? - pergunto no corredor.

Silêncio.

– Por favor, estou perdendo o filme. Está uma porcaria a imagem. Será que dá para alguém arrumar?

Avisto no final do corredor um rapaz de costas. Pelo visto está fazendo uma boquinha. Passa um tempo – pareceu uma eternidade, afinal estava perdendo a sessão – e alguma das moças do cinema que ouviu meus protestos me assegura que vão ver o que está ocorrendo.

Volto para a sala de cinema. Daqui uns cinco minutos a imagem melhora parcialmente, pelo menos passou a ter foco. Eu que ficasse satisfeita, era o máximo de qualidade que eu teria até o final da sessão. Passei o filme inteiro ouvindo os resmungos do meu marido e do meu filho mais velho. Fora os meus.

Saí da sessão tiririca. Imediatamente procurei pelo gerente.

– Senhor, qual o seu nome? Eu quero fazer uma reclamação e receber o meu dinheiro de volta. A imagem estava uma porcaria. Quero assistir de novo com uma imagem decente.

– Não tenho nome. E não posso devolver o seu dinheiro porque você assistiu o filme até o final.

– Como é que é? Mas eu reclamei que a imagem estava ruim. Vocês ajustaram o foco, mas os outros defeitos continuaram – argumentei.

Silêncio e um risinho de desdém. Nem olhou para a minha cara.

– Moço, não faz isso. Resolve o meu problema. Vou te dar dor de cabeça. Sou jornalista e conheço os meus direitos.

Silêncio.

Beleza. Vamos embora. No carro, liguei para o Cine Academia da Academia de Tênis na tentativa de falar com alguém com um mínimo de sensatez. No telefone, me avisaram que o responsável estaria apenas na segunda-feira. Eu voltaria a ligar.

Cheguei em casa e despejei toda a minha frustração e raiva com o tremendo desrespeito que eu e minha família acabávamos de sofrer no meu único recurso disponível: a palavra. Organizei a relação de jornalistas que cobrem cultura e os que acompanham direitos do consumidor. Contei a minha história e disparei o email. Pesquisei, entrei e postei comentários em todos os blogs e sites de cultura que achei no Google. Atualizei a minha página no Twitter. Mandei mensagem para a minha rede do Orkut. Fucei até achar a assessoria de imprensa da Warner no Brasil e também contei o fato.

Bola pra frente. Fiz o que dava para fazer. Voltei a ligar para o Cine Academia no dia seguinte e consegui falar com o responsável. Educado e coisa e tal, colocou panos quentes e ficou de checar. Aproveitei o embalo e acionei a administração do shopping também. Barba, cabelo e bigode.

Uma repórter da BandNews quis gravar uma sonora comigo. Acabou rendendo matéria, com direito a efeito sonoro e tudo mais. A matéria passou ao longo de todo a terça-feira no bloco local. Eu mesma só ouvi de noite. E para passar raiva.

Ouçam a matéria

O senhor educado que ficou de me dar um retorno do Cine Academia era só vitrine. A partir da declaração dele para a rádio, ficou parecendo que era uma aproveitadora que estava agindo de má fé em busca da devolução do dinheiro. Vale o registro: R$ 36 (trinta e seis reais). Teve ainda a desfaçatez de dizer que eu fui a única em uma sala com 250 pessoas que havia reclamado. Concordo que fui a única, mas entre, no máximo, 50 pessoas.

Depois da BandNews, fui entrevistada pelo Caderno Brasília, do Hoje em Dia; e pela Grita Geral, do Correio Braziliense. Assim que der vou fazer o clipping e postar aqui para vocês constatarem o volume do barulho.

Persiste uma dúvida. Por que será que fui a única pessoa a reclamar?

Arrisco uma resposta baseada na minha experiência com cobertura sobre direitos do consumidor. Comecei a minha carreira de jornalista na coluna Grita Geral, do Correio Braziliense. Passei cinco anos da minha vida ouvindo e apurando queixas de leitores. E uma das inúmeras lições que aprendi, foi que as pessoas são acomodadas e têm preguiça de reclamar. Esperam que alguém faça por elas. Que outro reclame e ela usufrua dos benefícios.

Outra coisa que aprendi é que reclamar vale a pena. Só assim que nos tornaremos maduros como cidadãos. Temos que exercitar o hábito de lutar pela aplicação das leis que nos protegem. Como fez uma velhinha em Rio Verde.